quinta-feira, 14 de outubro de 2010

"Woodstock brasileiro": impressões distorcidas

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Sustentabilidade é, dentre as polissílabas, a palavra mais citada atualmente na língua portuguesa. Meio Ambiente, por sua vez, lidera o ranking das expressões da moda. Dirão: sim, e isso é ruim? A princípio, não. Numa análise imediata acaba sendo bom constatar que o mundo se voltou para questões tão inadiáveis e tão necessárias à sua sobrevivência. O que me incomoda, e bastante, é como os mesmos setores que agiram de um modo sempre nocivo a esses princípios, hoje se apropriam de tais bandeiras para continuar multiplicando dinheiro. Pegam carona em preocupações construídas globalmente e a elas adequam seu discurso, vendendo a imagem do bem, do heróico (daqueles que se dispõem a salvar o mundo).

Como não possuo uma veia tão farta para o protesto, comento apenas o que vi de perto (mas com a distância que me apraz) no SWU, nesse final de semana.

De cara, a idéia do festival fora uma grande sacada de marketing: ainda no início do ano, as notícias acerca de um Woodstock brasileiro começaram a surgir por aí. Bob Dylan era a grande atração prometida. Desde então as especulações em volta de tudo o que cercava o tal movimento ganharam certa importância nas temáticas jovens de boa parte do país. Com o vulto de um novo Woodstock consolidado, mas com a vinda de Bob descartada, outro monumento foi erguido para promover o evento: a Sustentabilidade. Se ainda havia muita gente em dúvida quanto à validade da iniciativa, uma imensa massa foi seduzida pela tendência consciente/alternativa que o festival escolheu. E eu, ser contraditório por essência, me vi naquele circo da contradição.

Vi-me em uma fazenda interminável (porque fazenda), salpicada por milhares de pessoas com seus milhares de objetivos e histórias, mas unidos por coincidências de gostos e por alguma parcela de manipulação publicitária (não me excluo). O primeiro choque de realidade veio quando minha namorada disse: nossa, nem me sinto tão estranha diante dessas pessoas. E era bem isso: ali todo mundo que soa alternativo nos outros dias do ano, passava a ser o comum. O estranho é o normal. Quando vi aquele mar de camisas listradas/xadrez sob aquele selva de barbas por fazer, vi que meu senso estético não era tão meu assim.

O cenário não deixava por menos, e exacerbava a contradição inerente a tudo aquilo: eram esculturas sustentáveis (labirintos e navios feitos com lixo reciclável) tampando um caminhão de diesel que alimentava as aparelhagens estruturais do show. Eram centenas de metros de grades e mais grades sustentando a diferença de quem pode pagar pela pista premium ou pela pista comum. Eram banheiros exclusivos aos da premium, além do privilégio de não ser esmagado. Eram postos de alimentação precários que, pra não deixar as incoerências de fora, cobravam seis reais por um mini-pastel horroroso, ou quatro reais por 300ml de água (água!). Eram propagandas ininterruptas de empresas multinacionais que têm em sua história tudo o que é necessário para afastá-las das preocupações com a humanidade e aproximá-las dos anseios de endinheiramento (Coca-Cola e Nestlé, por exemplo.)

Ainda haveria assunto pra falar mal dos banheiros, da (des)organização da saída e, chutando o balde, até do frio (pô, organização, que frio era aquele!), mas isso me torraria o saco e impediria que eu criticasse também a imbecilidade de nós, os fãs. Refiro-me ao bando de babacas que se assemelham a gados sendo guiados por um número "x" de músicos. Refiro-me especialmente à apresentação do Infectious Grooves (os caras são indiscutivelmente ótimos músicos), onde bate-cabeças rolaram sem parar, e onde jogos de interação banda-platéia se aproximavam do grotesco. Em um certo momento o vocalista gritava pow, e o bando respondia pow também. Já vi coisas ruins, mas essa me soava brincadeira. Eu, ali, me defendendo de cotoveladas pra aguardar uma banda que traz consigo fãs estereotipados (faço tão parte desse estereótipo que chegaram a me dizer, no show, que eu me parecia com o vocalista) ao extremo, pensava em como pensa um produtor desse tipo de evento, que é capaz de reunir tanta gente tão parecida e ao mesmo tempo tão diversa. Dali a pouco eu é que seria um estorvo aos groovados, pois cantaria melodias chorosas e ofensivas aos seus ouvidos sedentos de peso.

O fato é que não houve Woodstock nenhum, mas sim um festival como outro qualquer, que teve em seus organizadores a habilidade mercadológica de sacar que há um público bastante disposto a se mostrar como alternativo/diferente/rebelde/consciente, e que esse público paga tanto (o ingresso mais barato, com as taxas todas, custava 120 reais a meia) ou mais do que qualquer público para estar "perto" dos artistas que lhe agrada. Mais ainda: esse público distribui seu dinheiro e ainda sai achando que está contribuindo para a preservação do Meio Ambiente e para a salvação do mundo. Vá lá, boa parte dos shows foi bem legal, e todos começaram nos horários previstos, mas isso não deveria ser citado como ponto positivo.

Algo muito grande para ser sincero; muito longo para ser suficiente; muito promovido para ser espontâneo.

Que da próxima vez...

ofereçam músicas não só aos integrantes do MST (como fez a banda Rage...), mas também aos índios da tribo mais remota possível, aos homossexuais, aos negros oprimidos, aos oriundos de escola pública, aos touros da espanha, aos mineiros chilenos, às mulheres do Irã, e a tudo o que é bonitinho e alternativinho apoiar. 

Nós, ingênuos quando não idiotas, faremos coro e compraremos camisetas.





sexta-feira, 27 de agosto de 2010

E ao se dobrar a vida em flor...

ela vira historinha de se contar)




Era desavisado. Era o típico sujeito que vai a uma ópera e, se vê chuva nalguma cena do espetáculo, abre um guarda-chuva na platéia. Sabe quando uma pessoa nota uma lagartixa, e resolve ficar o dia todo apreciando os movimentos aparentemente anódinos do tal bicho? Não sabe? Imagine alguém assim, e imaginará algo próximo do que ele era. Não tinha obrigações com as imagens. Pintava-as em sua imaginação: tinha a aquarela mais completa do mundo! Certo dia lhe perguntaram o que ele achava de sua própria imagem. Chamavam-lhe louco, olhos-de-rio. No mínimo, aéreo. Ele mal sabia o que dizer. Não havia ensaiado nada acerca do que achava de si mesmo. Imagem sua? Achava pouco. Melhor era criar as caras e almas dos outros. Ele, ele mesmo, conferia ao espelho a definição de sua face. Que falassem. Que depois lhe contassem, com ou sem modos, como era.

Tenho saudades demais. Ele foi meu primeiro e principal personagem. Depois dele, era só depois. Quando resolveu se algemar a um pedaço de papel, perguntei-lhe e agora? Em seguida, fiz-lhe responder que agora era o resto de nossas vidas. Resto porque era o que sobrou. Resto porque ela segue existindo. A minha um tantão metamórfica, a dele encerrada mas pública. Na verdade, quem é o personagem de quem? Ele é minha cria ou eu é que sou um fantoche de minhas criações. Domino-as ou sou por elas dominado? Nada importa demais, isso muito menos.

(Pensando bem, aquela aula já valeria a pena apenas para ouvir o professor falar. A Paraíba inteira está em seu sotaque, e boa parte do Houaiss está em seu vocabulário: usa-os tão bem. E, ao fazer isso, me faz pensar que eu também, sem maiores escrúpulos e sem nem mais nem menos, abriria guarda-chuvas por aí, mesmo sem gostar de andar com eles. Trago-os na imaginação, talvez, mas isso seria muito bobo e romântico para ser escrito.

Sem saber o que realmente eu quero dizer com esse texto, retomo a descrição inicial):

ele era o mais menos. O que mais via e o que menos era visto. O que mais gostava e o de quem menos gostavam. O mais enigmático e o menos questionado. A vida é mesmo o ofício da invisibilidade, mas não. Não porque nem sempre, diria um futuro amigo meu. O sempre da vida é viver, e do nunca eu não posso dizer tanto, a despeito de habitar sua terra. O que pesa, e pesa mesmo, é o que ainda não foi imaginado. Imaginar, eis não só um verbo. Voltar, eis não apenas uma resolução. Tudo é o não só: é o que ainda vai ser inventado.

Meu desejo era que os personagens pudessem reencarnar, e que a eles fosse oferecida a tarefa de me reescrever.

Um desejo que abarque toda a humanidade (?), esse não tenho, mas alguém há de ter.


 

é de lágrima
que faço o mar pra navegar
vamo lá!
eu não vi, não, final
sei que o daqui
teimou de vir
tenaz assim
feito passarim
(camelo cantor)

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P.S.: às vezes dá uma preguiiiça de citar umas referências que eu uso ao escrever, mas o fato é que elas existem, desde o título, mas em sua maioria são aleatórias e ínócuas. Que façamos nossos próprios sentidos.
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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Why So Serious?



"Ninguém diz tchau na janela"



E, na verdade, o amor não basta.

O amor será sempre essa indefinição que não cabe em quatro letras. Muito menos cabe num só coração. Ele se divide. Há pessoas que, por merecerem tanto amor, são amadas por inúmeras outras, e geralmente acabam escolhendo pra si alguém que não possua a maior parcela do amor a ela destinado.

É assim: o maior do amor segue perdido por aí. Segue anônimo, discreto, complexado num quarto de dormir. O grande amor não é páreo para o grande acaso. Eles às vezes andam juntos, mas, ao fazê-lo, anulam outros grandes acasos. Alma gêmea, amor eterno, feitos um para o outro: expressões tão lindas quanto ocidentalmente esvaziadas. O amor, quando é forte assim, assusta o que chega depois. Desabilita a noção do pra sempre. Faz do futuro um corpo tatuado por incertezas. Um corpo com um pé atrás. E o "namorar" (outra vez) passa a ser um sinal amarelo. Passa a inspirar cuidado, atenção: manda o último alerta ao coração. Que ele se cuide, que entre sabendo que pode perder um pedaço.

Melhor seria se o presente tivesse alguma autonomia em nossas vidas. Mas ele, cercado e incapturável por definição, bebe no passado o medo do futuro. Cada vez será mais difícil crer no amor? Daqui em diante procurarei sempre uma data de validade em sua embalagem? Sinto-me inapto quando falo de sentimentos desse tipo, e isso começa a me incomodar. Se ninguém pode garantir a ninguém que, ao acordar, ainda gostará do outro, que estejamos dispostos a não acordar tanto. Que seja permitido sonhar um pouco mais.

(Sonhar é subverter a realidade; é viver o incalculável, o sensível, o imponderável)

Restauremos nossa capacidade de gostar/amar/querer bem. Sem demasiado receio. Sem dar importância indevida às definições hospedadas pelas palavras. Eu, que justamente dou muito valor às palavras, por vezes me confundo e me machuco com/por elas. (ou pela ausência delas). No entanto, frente ao inefável, abdico da totalidade e da precisão de seus significados. Sinto, e não me importo por não conseguir classificar meus sentimentos. Mato, pedra, boi, ninguém: a você faz sentido? A mim não, mas me emociono ao ouvir isso cantado.

Porque... na (minha) verdade, o amor pode ou não bastar: resta-lhe existir (pequeno, grande, crescente, efêmero) ou não, e, a nós, resta aceitá-lo, com ou sem ressalvas.

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- ("E toda vez que vier felicidade a mais"... eu não me aborreço tentando nomeá-la às pressas.)

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"But the people they don't understand (...)
 On top of this I ain't ever gonna understand"




P.S.: esse texto qusase se chamou "500 days of summer (seus efeitos em mim)", mas recuei a tempo. Aliás, por que tão sério? (Why so serious?) Porque é tão e tão sério.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Qualquer Canção (A Nossa)

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Cada fase de nossa vida é acompanhada de uma música. Cada música é uma vida. Umas são duas. Lembra da nossa música? Lembra da minha? Lembro de cada sugestão de nova banda. Associo sons a pessoas, lugares, futuros. Faço da música, ou seja, do fato de poder fazer minhas músicas, uma chance de escrever novos finais. De reabri-los, refilmá-los. A canção é meu filme. Não procuro trilha sonora. Procuro acompanamento imagético para minhas notas e palavras. Vou de tempos bons. Me aprumo ("que-ru-bim").

Aí embaixo está uma música nova, que era só "Qualquer Canção", mas Andrei sugeriu o "A Nossa" como título. Por enquanto seguem os dois, nesse duo de indefinição. Palpitem, se quiserem. O áudio tá legal, mas compreender a letra sem lê-la é quase impossível, pelas limitações de um video e por minha maltrapilha dicção. Ouça lendo, por favor.


Qualquer Canção (A Nossa)


Dessa vez faço meu (final
meio) de acertar
Começo a pensar
por que não senti (?)
ah...

Será que você ainda sabe chorar
por mim ou por alguém mal (?)
e o que não tem (ainda
é de inventar)
saudade é muito mais
vem de avião

Ouça qualquer canção
lembra da nossa (!?)
Moça, no filme que eu vi
você é tão atriz

Ouça qualquer canção
lembra da nossa (!?)
Moça, no filme que eu fiz
você foi tão feliz

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Vinte e três

aaaaaaaaa
aaaaaaaa
Com um toque essencial de oportunismo, escrevo. Aproveito a data, o estado de evidência, e ajusto algumas palavras publicáveis. Lembro-me que um de meus primeiros textos foi o de aniversário de dezenove anos, em 2006. Dizia sinceridades juvenis, ambicionava ser adulto, e procurava o grande amor. Era menos feliz. Mal sabia identificar as aparições efêmeras da felicidade. Passava. Hoje eu atingi os vinte e três anos à frente de uma fogueira. Os pedaços de fogo que subiam pelos ares eram estrelas cadentes às avessas. Eram amostras, verticalmente esquivas, de minha capacidade de amar. Fugiam. Eu fingia não ver, a facilitar seu empenho libertário.

I need you so much closer 

, volta e meia eu cantarolava, sob protestos e compaixões. Queria e não queria ser notado. Alguns momentos não são dignos de nota, outros são dignos de uma fogueira que faz do céu uma via estelar de duas mãos. Minha vontade era cantar a todos, num relance de egocentrismo, minha mais recente canção. Por dentro, gritava

Ouça qualquer canção
lembra da noooooossaaaaaaaa (?) 
Moça, no filme que eu fiz /
Você é taaaooooooo aaaatriz.

Por fora, sorria calado e lacrimejado. Essa música não me pertence tanto. Andrei dormia devidamente aquecido pelo calor da madeira queimada. Representava a distância e a proximidade de um amigo presente. Pensei em tudo o que pode significar mais um ano completo. Dei de ombros. Pensei em vários dos sentimentos que caberiam naquela noite. Senti os demais. Será que eu pulo essa fogueira?, embriaguei a mim mesmo. Foi dessas propostas que já nascem vetadas. Aventuras comprimidas em frases amenas. Jogos de passa-noite. Dentre os votos de felicidade hoje recebidos, um, especialmente, me encheu de vida.

Ainda bem que você nasceu,

uma amiga escreveu.

Gostei de me desconcertar com as palavras. Sou mais moço quando sou leitor ou quando sou ouvinte.

Valeu a pena ficar mais velho.

(quis escrever)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O enterro do prodígio (republicado)


(texto escrito e publicado em 2008, num momento de quase-fim da faculdade de História, e de muitas incertezas. Ontem me senti meio assim, mas muita coisa do que eu queria ter dito ainda condizia com as palavras por mim escritas dezoito meses atrás. Tentei atualizar os problemas, mas não consegui escrever nada que fosse ao menos razoável. Fiquem, então, com a essência que as idéias abaixo transmitem. As crises vêm hoje com menor força e gravidade: vêm em intensidade tão menor que nem me fazem vomitar palavras como antes. Hoje peno um bocado para escrever três ou quatro parágrafos que me agradem. Quem me lê há algum tempo deve notar essa "má fase", e talvez aprove essa republicação com um ar de "o Noubar não escreve mais como antigamente"...rs.  Estou meio cansado de meus próprios complexos. Mas gosto dessa frase: "o oxigênio sofre suas mutações etárias, mas a necessidade de respirar persiste". Leiam, releiam, ou ignorem. Os comentários da época - primeira publicação - podem ser lidos nesse link: 
http://noubarjunior.blogspot.com/2008/12/no-bem-um-fracasso.html
E, curiosamente, o garoto que eu cito lá nas explicações finais era o Mateus Sousa  - diretor -, e o tal filme era o "Apenas o Fim", objeto de um texto que eu viria a escrever cerca de meio ano depois.)


"Não é bem um fracasso. É a relutante constatação de que não dá mais. Não há mais tempo pra tornar-se notável ainda jovem. O garoto prodígio morre sem ter nascido: fora sonhado e vivera sob a suposta incompreensão do mundo, perdido num espaço onde o irreal potencializa talentos inalcançaveis. É preciso renovar os planos de um futuro. Encontrar novos pretextos para pensá-lo promissor. À medida que a precocidade vai sumindo, há de se transferir a esperança aos feitos adultos. Uma boa experiência profissional poderia substituir o sentimento de realização inviabilizado pela adolescência comum. Mais tarde virão herdeiros para novamente justificar a impregnação da noção de vitória. O que não pude ser, meu filho será. Virá ao mundo como vítima da cobrança de seu próprio pai. Sob a máscara sincera de uma boa educação, será moldado desde criança. Falará inglês pra que não corra o risco de não compreender muita coisa boa que há por aí. Estudará música antes de pensar em fazer barulho com um violão. Tudo emoldurado pela idéia de "prepará-lo melhor para o mundo": pra sua crueldade travestida pelo tom sadio que a palavra "competição" imprime à essa bagunça humana. Uma tolice tremenda, mas que de algum modo nos acompanha: conquistar prestígio. Ser melhor que esse ou aquele... nisso ou naquilo. Pra minha tristeza, careço de impulsos. O oxigênio sofre suas mutações etárias, mas a necessidade de respirar persiste.

Quão natural seria colher da vida apenas seus prazeres, sem pensar em legados! Mas a vocês não parece uma relação parasita demais? Tiramos dos artistas nossos maiores deleites. Muitos não viveriam sem música, sem cinema, sem literatura. A obra dos outros nos mantém. E o que fazemos? Trabalhamos vendendo aparelhos que reproduzam música alheia; em locadoras promovendo filmes "imperdíveis"; em feiras do livro... vendendo livros. Será que o "dom" realmente é restrito a uma pequena parcela dos seres humanos? Você é daqueles que acreditam que alguém nasceu com o talento pra criar coisas belas e outro alguém possui a inclinação congênita para catalogar peças de um acervo político? Há PESSOAS e pessoas? talvez sim. O transcorrer do tempo me tem feito desistir da busca de um fim em mim mesmo. Uma resignação quase que imposta. Quando nos deparamos com o "curriculum" daqueles que admiramos, vemos quanto foi precoce a constatação de seus dotes. Não é mais possível ser um grande jogador de futebol; não se pode mais compor algo como "Sabiá"* aos 21 anos; nem escrever Queda que as mulheres têm para os tolos** também aos 21. É a famosa crise dos 21. Chegar aos 21 e não ter feito nada disso! ah! "Você ainda é novo...".

Eu sou adepto do fracasso. Da consciência dos dias passados, que é mais forte do que a esperança pelos que hão de vir. Uma abordagem cética? Hoje, sim. Hoje eu me rendo à mediocridade sem considerá-la a pior das coisas. Digestão incômoda. Escrevo pra legitimar a desistência em palavras. E, na verdade, isso é meio pedante. Dá a impressão de que fico sempre me auto-decapitando para suscitar nos outros uma reação de resgate de minha auto-estima. Se publico, oras, é porque vejo sim alguma importância. No entanto, faço do texto uma total expressão do que considero ser minha existência mediana. Entende? É um lance contraditório: eu mesmo me culpo. Mas não é depressivo, como a capa pode sugerir. É uma tristeza de caráter: enraizada, até normal.

Declaro minha impotência frente aos desafios todos. Chego num momento em que minhas forças perdem muito de seu altruísmo. Migram pro lado de cá. Se não há nada muito complexo a oferecer ao mundo, que me seja facultado o direito do desfrute "egoísta". Que sejam abolidas as noções de trivialidade, banalidade, superficialidade: tudo é lícito e bem-vindo na festa da vida. Foi-se o mocinho. (pensou em "veio o vilão"? essa era a isca. Pra mais nada serviu o "foi-se o mocinho"...rs) Todas essas comparações o fizeram perecer.

BREQUE. Esse último parágrafo foi uma piadinha de mau gosto. Uma brincadeirinha. Uma vã tentativa de prolongar um assunto que se esgotou. Essa baboseira de "impotência" e tudo o mais são falsos. Embora eu realmente ache que meus tempos de prodígio se foram; a despeito de eu achar também que nunca terei sucesso em minhas empreitadas artísticas, ainda há a chance da rosa nascer no asfalto. Existe a motivação de escrever no blog (e isso é mais estranho do que qualquer outra coisa, pois amanhã sempre odeio o que escrevo hoje, mas depois de amanhã volto a escrever); a busca incessante de uma composição (que há de sair!): aquele quezinho de fôlego que equilibra e torna melhor o ato de viver. Têm razão aqueles que não esperam de mim nada de "especial"; nada além do comum. Que fique claro, no entanto, que isso não abafará meu desejo de surpreendê-los.

Sentem-se."

10/12/2008


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*música que Chico compôs com Tom aos 21 anos.
**obra de machado de assis escrita também aos 21 (pra completar a dupla e gerar sua inquietação: "ah, ele quer mostrar que conhece chico buarque e machado de assis...se acha cult")

Sugestão de tema: Sr. Molina, após ver uma matéria que falava sobre um garoto de 20 anos que dirigiu (ou escreveu) um filme super bacana. Isso foi trágico para o gustavo, já que ele já beira os 23 e "nada fez". "Um bom tema pra vc escrever no seu blog".

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Last Night

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Não fora por hábito nem por cálculo, tampouco fora por acaso.

(Efêmero acesso de anonimato; inédita conspiração musical: agrado provicencial de um (reincidente) "lassst niiiighttttttt"; e meu recente flerte com o dançar. Tudo somado: dois)

Disse-me:

Você melhorou minha noite.

Disse-lhe:

Eu só preciso saber o seu nome.

Disseram-me, no pós-relato:

A frase dela foi melhor.

Concordei, de sorriso e lembrança presentes.

E sei que o gosto de me apaixonar é mais indução do que realidade. É antes vontade do que motivo.

É, em pensamentos garrafais, o mínimo que eu posso me oferecer.

Sei o nome da rosa, mas não encontrei o seu jardim (desconfio estar disperso entre as alamedas dos meus mais caros - e breves - instantes de carinho).

Do lado de lá, especulam sanidades e relevam, de cenhos franzidos, os acentos que julgam indevidos.  

(há tempo de menos pra tanto)


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30/05/2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Hospital da Gente

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aaaaaa

Nos dias 27, 28, 29 e 30 de maio acontecerão, na Caixa Cultural (Sé), as quatro últimas apresentações (gratuitas!) da peça "Hospital da Gente", montada pelo Grupo Clariô de Teatro a partir de textos (contos) do escritor Marcelino Freire. Se não tiver saco pra ler o texto abaixo, ótimo, mas vá ver a peça. Foi uma das manifestações artísticas que mais me emocionaram nesses tempos. Vá ver.






(Fotografada assim, sua tristeza se assemelha a um pedaço de arte)


Sua vontade transcende a busca pela paz. Sua vontade é assassinar não a paz, mas sim as roupas que fazem da paz essa madame enfeitada que desfila nas ruas centrais da cidade a distribuir bolas e bonecas de plástico. Sua vontade é comer chocolate quando estiver frio, mas não há bolsa-chocolate. Quem sou eu pra falar de suas vontades/verdades, se nem sonhos sei fazer? O mundo é menor do que o frio. O mundo é muito longe para a fome. O mundo, inteiro que é, não merece tanta atenção. Dona Preta é imune às queimaduras, venham de onde vierem: Dona Preta não se permite morrer cinza. Eu precisaria de mais umas duas horas para entrar de verdade naquele universo, e parece mesmo que meu relógio se adiantou o suficiente pra que as tais duas horas chegassem num minuto. Tive medo da polícia. Tive medo de que alguma das atrizes desafinasse nalguma das belas músicas, cantadas sempre à cappela. A polícia não subiu o morro (não desceu ao teatro) e as moças, altivas, zombaram de minha desconfiada percepção musical: passearam entre as notas como se as notas fossem seu quintal. Quase-choro. Medo do fogo: favela evaporada. Medo da chuva: morro escoado. Pensamentos que não conseguiam nem fugir pra visitar os amores breves de platéia. Vez ou outra conseguiam, já que a simples menção já os denuncia, mas eles desimportam nesse instante. Uma imensa falta de vazio. Tudo envolto pelo desânimo dos discursos de que dias melhores virão. (lá) A história é contada pela boca, contrariando qualquer tentativa de papel. A assistente social aconselha métodos contracepcionais, e doa um sorriso às crianças que esbanjam a curiosidade de quem ainda não se acostumou a receber visitas. Falo do que eu pouco conheço. Fotografo a favela com teclas de um computador: será arte? Será culpa? Será motivo pra um começo de madrugada existir?

Agora vejo/ouço, ainda claramente (?), cada fragmento de texto, cada expressão, cada cantinho de cenário, e cada música que cantamos antes de reverter nossa atenção ao mundo sugerido pelas palavras (vividas/encenadas/cantadas) de Marcelino Freire. A favela me é aquilo: é compaixão limitada pelo constrangimento; é indignação anestesiada pela fama; 

é a identidade nacional
que não se perde por não haver segunda via.

Lá as recordações não figuram em célebres albúns de fotografias:

(suas lembranças são pedaços de pano estampados de sangue)


"Cadeiras elétricas da baiana
Sentença que o turista cheire
E os sem amor os sem teto
Os sem paixão sem alqueire
No peito dos sem peito uma seta
E a cigana analfabeta
Lendo a mão de Paulo Freire

A contenteza do triste
Tristezura do contente
Vozes de faca cortando
Como o riso da serpente
São sons de sins, não contudo
Pé quebrado verso mudo
Grito no hospital da gente"
       (Chico Cesar)

domingo, 16 de maio de 2010

Nós, a noite, e o tal do eu sozinho

escrevo ao som
(despropositado mas momentaneamente/sempre fascinante)
de "A day in the life"



Pessoas.
Mais pessoas.
O dobro de pessoas.

Rostos totalmente desconhecidos, rostos totalmente queridos, e rostos totalmente gastos: os que conhecemos "de vista". Insetos gigantes, palco do eu sozinho (a simples referência já me valeu a pena), espaços disputadíssimos, e a ligeira impressão de que há algo de errado com a cidade. De encontro, outra ligeira impressão: a de que há algo de muito certo com a cidade.

As contradições!

Tudo resumido numa tirolesa que, ao invés de descer, subia. Tudo resumido na deliciosa bagunça rítmica dos hermetismos pascoais. Tudo resumido em minha dupla identidade universitária: amigos da faculdade de História me tornavam caçula; amigos da faculdade de música me tornavam velho; amigos outros me tornavam outro. Tudo resumido nas palmas que a platéia dedicava aos músicos em cada intervalo entre um movimento e outro do Carmina Burana (pra muitos isso significa um atentado às convenções dogmatico-musicais): o público domado de um concerto tradicional deu espaço ao público "popular", que aplaude ou vaia quando lhe apraz aplaudir ou vaiar; que não suporta as entradas e saídas do maestro ao final da apresentação. Contagiado pela multidão que alertara a si mesma que a música é a música - dentro ou fora de uma luxuosa sala de concerto -, o maestro regeu um bis, e o "Ó Fortuunaaaaaaa" pôde ser outra vez entoado por um trio de amigos que gozavam o fato de serem três dos poucos que conheciam a letra da obra.

As contradições!

Eu pensava: "oh, que lindo mundo de pessoas andando por esse centro iluminado e receptivo!"
E logo repensava: "ah, que sujo mundo de pessoas pisando nesse centro maltratado e hostil!"

Indivíduos avulsos compunham a cena. Figuravam imersos em sua solidão certamente mais contemplativa, mais cheia de amores breves, mais de olhar atravessado ao me ouvir passar cantando (quase naturalmente). Grupos e mais grupos de amigos aumentavam e diminuiam, protagonizando a tônica da noite: braços levantados (às vezes pulantes), celular no ouvido, e as variações do "me viu?" (onde vc tá? me achou?, tá me vendo?, tô pulando, tá vendo? à direita do palco... perto da árvore. ok, na catraca do metrô.)

Essa nossa imensa vontade de encontrar alguém.
(Você esteve por lá? Não te vi. Se procurei?)
E essa chance de surpresa que vem sempre com um gostinho de bem-vinda.




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Texto motivado pela "Virada cultural".

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Eu, arei-a-mar

Eu, a insconstância e a indefinição da areia, a imensidão tão perdida do mar, o amor no meio de tudo, feito laço, feito sede de suficiência. Eu, arei-a-mar. Eu encenando minha dupla vida, cheia de campinas e de são paulo, cheia de despedidas, cheia de telefonemas protocolares, cheia de palavras e de sons. Mais que tudo isso, cheia de vontade de sair e cheia de vontade de voltar. É sair com os amigos e ligar pros pais irem buscar no fim da noite. É fingir independência só pra pedir colo no final. Os lugares que são e não são meus. Eu, areia, amor, mar.

Segue abaixo o video com o primeiro arranjo (esboço de) da música. Peço, sempre, que acompanhem a letra. Como poderão ver, uma amiga minha fez a imensa gentileza de cantar comigo, melhorando bastante a idéia inicial e dando sentido aos dois "eus" que constituem a letra. Valeu, Lea! 


Eu, arei-a-mar


Lá vai meu filho
buscar seu lugar  (tchau, mãe)
saiu, levou
palavras pro caderno, música pro violão

De noite o filho
vai telefonar (oi, mãe)
tá frio? comeu?
pergunto se há saudade, não diz que sim nem não


Cadê meu trilho?
cadê meu pai?
oh, mãe (saiu, sou eu)
não viu minhas palavras, nunca ouviu meu violão

Tanto caminho
nenhum lugar é meu
cheguei (chegou), já fui (já foi)
eu fico, eu vou embora, sem por os pés no chão


Eu na rua
vem me buscar
Eu, arei-a-mar

Eu na rua
vem me buscar
Eu, arei-a-mar



quinta-feira, 6 de maio de 2010

Amoras

ass

(Nota prévia: texto de um grande amigo que, sem muito acesso ao mundo virtual, me honrou ao pedir esse espaço como meio de publicação de suas palavras.)


"a luz da tarde filtrada pelas nuvens coloria de dourado a cintura à mostra daquele corpo feminino

a blusinha de listras brancas em faixas vinho, de golinha simples e clara, esticava enquanto minha namorada apanhava amoras

nossas camisetas serviam de cestos para as frutinhas que caíam ao som de conversas que continuam a se repetir embaixo daquelas árvores enfileiradas

ela sugerira fazer uma geleia de amoras, por isso as colhíamos, indo de pé em pé, ao longo da calçada da faculdade, os carros passando anônimos ao lado

um pouco antes, pedira para ela soprar um dente de leão, para que eu fotografasse quadro a quadro a desfragmentação da plantinha

segurou o caule e fechou os lábios em posição de beijo; soprou de olhos fechados e uma abundante nuvem de partículas claras veio em minha direção

não sei se foi a luz, ou o perfume doce que exalava da nunca escondida por feixes de cabelos escuros, ou mesmo a tarde que se demorava como um suspiro, mas algo ali enganou minha malícia e o eterno pareceu possível "

João Manoel Romão, maio de 2010

domingo, 25 de abril de 2010

E se?

E se os erros fossem o pretexto pra uma nova chance? E se os domingos não oferecessem sensações tão polares (tristeza e alegria, ânimo e desânimo, "foi boa a semana" e "e agora"? E se a vida não dependesse tanto de tantas coisas? e se eu soubesse inglês? e se eu não me apaixonasse mais? e se eu não gostasse de futebol? e se não repetissem uns aos outros: "a vida segue", "bola pra frente"? e se houvesse respeito ao modo como cada um encara seu passado? e se eu deletasse meu passado? e se não existisse mais a interrogação? e se o "se" não fosse tão socialmente condenado? e se eu compusesse a canção dos seus sonhos? e se uma canção lhe trouxesse? e se eu perdesse a audição? e se a pena se ausentasse? e se eu mudasse pra bem longe? e se ela me chamasse? e se tudo é um filme? e se eu nunca fui seu grande amor? e se toda história não fosse remorso? e se nada fosse urgente? e se eu não estivesse comendo um chocolate a cada frase? e se acabar o chocolate? e se esquentar? e se o verão chegar bem mais tarde? e se eu não tivesse um bom motivo pra largar meu curso? e se tudo fosse no mesmo dia? e se eu fosse mais atencioso com minha mãe? e se eu voltasse a querer ser pai? e se eu ficasse parado? e se eu não visse ela em todas? e se eu não estremecesse ao ver o "____ acabou de entrar" na janelinha do msn? e se eu soubesse o que falar? "e se eu fosse o primeiro a voltar?" e se não fosse tão perto? e se o mundo assumisse seus bilhões de rostos? E se o Faustão desistisse dessa dança dos famosos? E se meu telefone tivesse bateria naquele justo momento? E se eu tivesse créditos no outro justo momento? E se ela me ligasse nalguma das vezes em que andei com o celular na mão, desconfiando da honestidade do silêncio? E se amanhã não fosse segunda-feira? E se eu ainda preferisse o samba? E se eu já soubesse sambar? E se hoje eu não tivesse visto/lido muito Liniers? E se não tivesse ouvido "Qualquer Coisa" amiúde? E se eu voltasse a escrever cartas? E se eu acabasse? E si?
E se?
Surpreendo-me pensando e imaginando um pôr-do-sol.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Outono (em meus olhos)

Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite
(Drummond)




Faz tempo que não anoiteço. Durmo com a luz do sol impressa em minha mente. Perco a hora mais facilmente do que é comum acontecer. Respiro querendo notar minha respiração.

Minha identidade é meu violão. Feito mochila. Feito motivo pra parar em qualquer lugar e despistar a solidão.

Adoro o Outono.

O Outono é a liberdade disfarçada de estação.

É a democracia vestuária; é o sol insuficiente; é jogar nos dois times; é o casamento da blusa de frio com a bolsa.

É a chance de eu me oferecer pra, num abraço, insinuar-lhe
calor. É o estritamente necessário pra que eu tente falar o que sinto. É a oportunidade pra eu me vestir de mim.

O outono talvez seja tudo e nada do que vivo: o amor inteiro versus o amor nenhum.

Ela não deveria dormir.
Seus olhos são tão lindos...
que fechá-los soa como desperdício.
Soa como afronta aos demais olhares,
dispertos,
dispersos de si mesmos.
Reféns.
Ela não deveria dormir.

não numa noite como essa.

(Nesse momento passa um trecho de "Carmina Burana" em minha cabeça: o trecho - instrumental - mais singelo de todos

e eu, ouvinte resignado por não poder controlar meu inconsciente, me divirto)

Talvez eu é que não devesse dormir tanto.
Se minhas noites são dias, resta-me avizinhar o sol de estrelas,
e fingir que a claridade de meu outono não passa de um bom sinal.

Bons momentos, eu sei, se aproximam de meus sonhos (olhos), que são tão imensos quanto musicais.

Quando aquela moça aceitou me ouvir cantar, mal sabia ela que ali estavam minhas
 mais sinceras                 (e vermelhas)          
notas musicais. 

Cantava, de harmonia e letra decoradas: "quando eu soltar a minha voz por favor entenda / é apenas o meu jeito de dizer o que é amar"





O   For-tu-na
mi     fá     ré    ré
ve-lut lu-na
mi    fá   ré   ré
sta-tu va-ri-a-bi-lis
lá    sol  lá  sol sol fá mi

(Carl Orff)


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Fecho o caderno, desligo meu modo aleatório, e sou novamente um internauta que precisa editar o texto antes de publicar (itálicos, cores, tamanhos). Penso: acho que ninguém vai entender nada. Segunda resignação do dia, e um último sorriso de "tudo bem, vai".

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Insolação

                                                                abraçar
Eu só queria poder te                   abraçar             abraçar
                                          abraçar                              abraçar
                                                         abraçar  abraçar

           antes da   insolação
                     porque o amor imenso é o mar, e o mar...
                         
                          o mar não acaba nunca.
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Como às vezes me acontece, saio de um filme num estado de inexplicável emoção. Deixo a sessão e ela segue em minha mente, em minhas palavras, em meus trejeitos. Insolação invadiu o meu passado e repaginou minhas memórias. Encarou o meu presente e o fez ainda mais exacerbado, indeferido e autônomo. Especulou o meu futuro e ratificou sua anulação.

Sou o velho decadente que ora passa por louco, ora por sábio, e ora por velho e só. Sou os diálogos desencontrados, forçosamente artísticos mas tão reais em meu imaginário. Sou aquilo que não falei, mas pensei em falar. Tudo o que descartei é um pedaço de mim. Tudo o que não fiz é um pouco do que fui. Trago comigo o pedantismo pseudo-intelectual, e por vezes o transformo em vontade de solidão. Associo.

Gosto do Leonardo Medeiros, seria servo do Paulo José e, além de ter me encantado pela Simone Spoladore, sou explicitamente apaixonado pela Leandra Leal (sua voz, seu rosto de menina, seu corpo alvo e nada casto). Tais são os atores que figuram escondidos entre meus pensamentos. Na tarde de hoje, revejo-os em cada texto: leem pra mim. Trechos, desvios, fugas.

Rua augusta. Ando em busca de um caderno. Procuro um caderno vistoso, consistente, sem pautas: algo que me faça ter mais vontade de escrever. Uma trégua às palavras interesseiras. Há sempre o que se anotar. "É triste saber que nossa conversa será sobre a tristeza". "Você só está comigo por causa dos meus seios, parece". Não, não é isso. "Porque era ela, porque era eu". Isso talvez. Porque o mundo é tão grande quando estamos juntos. Isso sim.

Por que, a cada vez que a primeira nota da música tema do filme começava, eu achava que iria tocar Insensatez?

Por que insolação é tão insensatez?

Porque insensatez é música, e insolação é sonoro demais. Porque eu gosto de aproveitar as induções sensoriais de uma expressão artística. Insolação permite a construção de tramas paralelas durante sua exibição. É generoso. Não pede total atenção: sugere digressões, relações, analogias, nostalgias. É sobre o amor e sobre a perda, mas nem parece ser nada. Não faz sentido por si só. É repleto de significantes, mas não os vincula claramente a nenhum significado.

Preencheu-me de anseios criativos. Reatou meus laços com minha sensibilidade,
 
       e  me fez recordar que meu despertador não veste saia nem dá beijo de bom dia.


Preciso de uma quantia insensata de sol.





tal como preciso de um abraço teu.


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terça-feira, 30 de março de 2010

O velho e o Moço

"e se eu fosse o primeiro a voltar
pra mudar o que eu fiz
quem então agora
eu seria?"


Há três meses eu ainda era o mais novo de "minha turma" da faculdade. Indo mais longe: há cinco anos eu era um garoto de dezessete anos, no mínimo assustado com o mundo universitário. Era mais um, menos eu, todo fora de lugar. Tinha medo de fazer perguntas, tinha preguiça de ler os textos acadêmicos, e tinha a impressão de que o começo era o final. Minha temática predileta era o abandono do curso. Falavam dos "ismos", dos poetas românticos, dos grandes revolucionários, e eu mal sabia (mal sei) o que era História.

Hoje sou calouro calejado. Sou um dos mais velhos "da classe". Vejo adolescentes assustados, vejo outros talentosos, e vejo outros com a impressão de que estão num besteirol americano (acham que vão aprender a beber, que paticiparão de orgias sexuais e que representam a elite intelectual do país). Sou mais um, mais eu, aprumando meu lugar. Tenho medo de não ter textos pra ler, tenho preguiça de fazer perguntas, e tenho a impressão de que o começo é o começo, o meio e o fim ao mesmo tempo. Falam de jazz, de música clássica, dos grandes compositores e dos grandes instrumentistas, e eu bem sei que falam porque gostam de falar.

A segunda graduação é algo muito mais sutil, mais digerível, mais "foda-se o diploma". É onde se entra com a (quem sabe falsa) convicção de que se sabe o quer. É onde se julga conhecer os atalhos. É mais ou menos o que eu quero: é a consagração do meio-termo, do aqui e ali, do "sei onde estou me metendo", do "deixa comigo", do "confie em mim", do "não importa se é ou não esse o meu futuro".

Meio velho e meio moço, meio historiador e meio músico, sou esse exemplo de "mediocridade" invevitável/desejada. Sou a ausência talvez voluntária de especialização. Sou a abordagem distante, que sai de mim e me vê sentado na sala de aula, com anos passados e anos indefinidos.

Sou o meio do caminho.

O que olha e é olhado com receio. O que aponta e é o alvo. O que não atinge e o que é aparentemente inatingível.

Próximo,      distante,          descuidado, desolado, dissonante. De outro tempo. 

Dei a mim mesmo uma segunda chance. Ou entrei numa segunda fase. Volto e continuo: revivo o que ainda me é novidade pra não deixar que o amanhã seja fiel às minhas previsões.

Re-volto.


"e se eu for o primeiro a prever
e poder desistir do que
 for dar errado?"

sábado, 27 de março de 2010

Sábado

A vontade. O começo do que era ausente. O começo inconcebido, adiantado. E a tentativa de construir uma normalidade. É tão difícil forjar o exótico. Tão irreal ser irreal. Quando o incomum é um objeto de desejo, o comum prevalece. Nada é tão natural quanto não notar a presença do artificial. O abraço pode ser bem mais gostoso que o sexo. O silêncio é quase sempre mais bonito que o alarde. O alado, a libido, o dilema, o ditado, o delito, o detido: deitado, doente, dopado, danado. Domado. Ninguém faz exatamente o que quer. A exatidão deveria ter sua extinção formalizada. Um amigo lê duas páginas do dicionário diariamente, e me enche de esperanças literárias. Uma amiga não desperdiça mais do que cinco minutos com a normalidade. E eu teimo em surpreender minha própria obviedade. Brinco de exato. Ouço os gritos de sábado a noite. De um sábado a noite bastante contraditório. Solitário porque voluntariamente caseiro. "Vir pra São Paulo e ficar em casa?" Sim, São Paulo é minha casa, afinal. Dentro ou fora dela. Desde às oito da noite eu planejo ir à Paulista pra andar, andar, fones no ouvido, pessoas com trajes previsíveis, final de semana, esperança de alguma coincidência, de algum constrangimento, medo de que a pilha acabe, vontade de cantar mais alto, de impor uma trilha sonora ao mundo, o mundo silencioso, mesmo, de novo, batido. É meia-noite, e em quatro horas não saí do lugar, mas rodei por todos os lugares em que eu, previsível também, poderia estar. Encontrei com todas as pessoas que notariam minha presença, e falei bastante ao telefone. Já fiz músicas de amor, já escrevi cartas de amor, e enviei meu amor pelo correio, pelo rádio. Cartas de amor não podem ser extraviadas. Em dois minutos terei mais créditos em meu celular, e poderei mandar as mensagens atrasadas em minha mente. Ela dorme com ele. Outra ela dorme sem mim. Outra ela dorme sozinha. Outras tantas sequer têm sono. Eu não durmo antes de saber o que quero sonhar. "Portugal é o lugar ideal pra se perder alguém. Ou pra se perder de si mesmo". Dor de garganta, e uma febre dissimulada que nem ao menos aparece. Titia trouxe balas artesanais feitas com canela, gengibre e própolis: pesadelos. Talvez seja o gengibre. Talvez o mal cheiro venha do ralo. Talvez eu pare de fumar. Talvez eu volte a lutar karatê. Talvez, ma(i)s remotamente talvez, eu tenha matado meu anjo-da-guarda. Grande mas não mais dois. Enumeram: caixa d'água, pingo d'ouro, pão d'alho, e míngua meu repertório de apóstrofos bacanas. Tatu-tá-ti-vendo é nome de personagem do Guimarães, e reverbera em minha cabeça. Tripa Seca, Quase Nada, Pouca Telha, Rasga Trapo, Ranca Rabo, Dorme Sujo, Poupa Tempo, Pára Tudo. A palavra é o som da palavra. E o resto é sábado.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Notas aleatórias (introdutórias)

Testar


É a intenção travestida de avesso.
É a testura da palavra sem o acaso do papel.
É o gosto arbóreo de minhas noites campineiras.
É o intelectual no recreio.
É a compaixão pelo anti-social: o desprezo a quem quer a eterna companhia.

É ensaio de coral: tenores levantam/estiiiiiiicam o pescoço pra alcançar notas agudas;
                            baixos abaixam

É o vir... o vir por meio desta.
Ser mais leve. Ser quiçá leviano.

Sinto saudades: é o cabelo cortado preenchendo o chão do salão.
São cachos a-menos.

E a sombra virada de costas...
que (me) faz escurecer.

Mais tarde surge o sol, involuntário porque é cedo demais.


E o texto derrete... quase inexiste.


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P.S.:  Esse deve ser meu novo espaço de descarga virtual. Se quiserem/puderem, voltem sempre, divulguem, ocultem, desdigam. E, seja pelo motivo que cabe a cada um, divirtam-se!
Os textos às vezes serão como esse aí de cima: sem forma definida, sem assunto, sem valor algum. Noutras horas até poderei derramar impressões sobre algum livro, filme, peça, música, etc. Até música pode pintar por aqui, já que minha cara-de-pau anda bem lustrada. Como veem, talvez nada seja tão diferente do "Tempo Seu", porque mesmo eu, ligeiramente mal-acomodado, não mudo tanto assim.

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