sábado, 27 de março de 2010

Sábado

A vontade. O começo do que era ausente. O começo inconcebido, adiantado. E a tentativa de construir uma normalidade. É tão difícil forjar o exótico. Tão irreal ser irreal. Quando o incomum é um objeto de desejo, o comum prevalece. Nada é tão natural quanto não notar a presença do artificial. O abraço pode ser bem mais gostoso que o sexo. O silêncio é quase sempre mais bonito que o alarde. O alado, a libido, o dilema, o ditado, o delito, o detido: deitado, doente, dopado, danado. Domado. Ninguém faz exatamente o que quer. A exatidão deveria ter sua extinção formalizada. Um amigo lê duas páginas do dicionário diariamente, e me enche de esperanças literárias. Uma amiga não desperdiça mais do que cinco minutos com a normalidade. E eu teimo em surpreender minha própria obviedade. Brinco de exato. Ouço os gritos de sábado a noite. De um sábado a noite bastante contraditório. Solitário porque voluntariamente caseiro. "Vir pra São Paulo e ficar em casa?" Sim, São Paulo é minha casa, afinal. Dentro ou fora dela. Desde às oito da noite eu planejo ir à Paulista pra andar, andar, fones no ouvido, pessoas com trajes previsíveis, final de semana, esperança de alguma coincidência, de algum constrangimento, medo de que a pilha acabe, vontade de cantar mais alto, de impor uma trilha sonora ao mundo, o mundo silencioso, mesmo, de novo, batido. É meia-noite, e em quatro horas não saí do lugar, mas rodei por todos os lugares em que eu, previsível também, poderia estar. Encontrei com todas as pessoas que notariam minha presença, e falei bastante ao telefone. Já fiz músicas de amor, já escrevi cartas de amor, e enviei meu amor pelo correio, pelo rádio. Cartas de amor não podem ser extraviadas. Em dois minutos terei mais créditos em meu celular, e poderei mandar as mensagens atrasadas em minha mente. Ela dorme com ele. Outra ela dorme sem mim. Outra ela dorme sozinha. Outras tantas sequer têm sono. Eu não durmo antes de saber o que quero sonhar. "Portugal é o lugar ideal pra se perder alguém. Ou pra se perder de si mesmo". Dor de garganta, e uma febre dissimulada que nem ao menos aparece. Titia trouxe balas artesanais feitas com canela, gengibre e própolis: pesadelos. Talvez seja o gengibre. Talvez o mal cheiro venha do ralo. Talvez eu pare de fumar. Talvez eu volte a lutar karatê. Talvez, ma(i)s remotamente talvez, eu tenha matado meu anjo-da-guarda. Grande mas não mais dois. Enumeram: caixa d'água, pingo d'ouro, pão d'alho, e míngua meu repertório de apóstrofos bacanas. Tatu-tá-ti-vendo é nome de personagem do Guimarães, e reverbera em minha cabeça. Tripa Seca, Quase Nada, Pouca Telha, Rasga Trapo, Ranca Rabo, Dorme Sujo, Poupa Tempo, Pára Tudo. A palavra é o som da palavra. E o resto é sábado.

5 comentários:

Unknown disse...

o bom de ficar sozinho sábado, é que a gente se perde dentro da gente mesmo, entre as nossas tantas personalidades..as vezes é preciso.
o resto..o resto é silêncio..ou é ruído? tsc..o resto é sábado.

pois é, texto sereno intenso confuso e cheio de subjetividades aleatórias!
bonito, como sempre.

Camila de Sá disse...

Você tá fumando, Noubar??

Noubar Sarkissian Junior disse...

Não, moça! hehe
E nunca lutei karatê também!
(Anjo-da-guarda é coisa da minha mãe...)
Licença poética (som)...rs

Camila de Sá disse...

Rs...

Provavelmente não, provavelmente é alguma forma de intensificar o estado de estar na expressão! Mas é que sempre fico na dúvida... será?

Noubar, você sabe do quanto gosto dessas viagens por nós mesmos, madrugueiras(madrigais?)...

E olha que coisa:

"O madrigal aborda assuntos heróicos, pastoris, e até libertinos. Por sua flexibilidade, que nenhuma outra forma musical havia até então oferecido aos músicos, assim como pela variedade dos textos sobre os quais se constrói, ele favorece a imaginação criadora e o lirismo de expressão. Juntamente com outras formas musicais que utilizavam o canto, o madrigal leva à origem da ópera."

Pode ser então, não pode? É lirismo, imaginação! Inspiração para óperas dos malandros! Rs. Mesmo de dentro de casa.

Saudades,

Camila.

Camila de Sá disse...

Huhauahua... ufa.

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