sexta-feira, 27 de agosto de 2010

E ao se dobrar a vida em flor...

ela vira historinha de se contar)




Era desavisado. Era o típico sujeito que vai a uma ópera e, se vê chuva nalguma cena do espetáculo, abre um guarda-chuva na platéia. Sabe quando uma pessoa nota uma lagartixa, e resolve ficar o dia todo apreciando os movimentos aparentemente anódinos do tal bicho? Não sabe? Imagine alguém assim, e imaginará algo próximo do que ele era. Não tinha obrigações com as imagens. Pintava-as em sua imaginação: tinha a aquarela mais completa do mundo! Certo dia lhe perguntaram o que ele achava de sua própria imagem. Chamavam-lhe louco, olhos-de-rio. No mínimo, aéreo. Ele mal sabia o que dizer. Não havia ensaiado nada acerca do que achava de si mesmo. Imagem sua? Achava pouco. Melhor era criar as caras e almas dos outros. Ele, ele mesmo, conferia ao espelho a definição de sua face. Que falassem. Que depois lhe contassem, com ou sem modos, como era.

Tenho saudades demais. Ele foi meu primeiro e principal personagem. Depois dele, era só depois. Quando resolveu se algemar a um pedaço de papel, perguntei-lhe e agora? Em seguida, fiz-lhe responder que agora era o resto de nossas vidas. Resto porque era o que sobrou. Resto porque ela segue existindo. A minha um tantão metamórfica, a dele encerrada mas pública. Na verdade, quem é o personagem de quem? Ele é minha cria ou eu é que sou um fantoche de minhas criações. Domino-as ou sou por elas dominado? Nada importa demais, isso muito menos.

(Pensando bem, aquela aula já valeria a pena apenas para ouvir o professor falar. A Paraíba inteira está em seu sotaque, e boa parte do Houaiss está em seu vocabulário: usa-os tão bem. E, ao fazer isso, me faz pensar que eu também, sem maiores escrúpulos e sem nem mais nem menos, abriria guarda-chuvas por aí, mesmo sem gostar de andar com eles. Trago-os na imaginação, talvez, mas isso seria muito bobo e romântico para ser escrito.

Sem saber o que realmente eu quero dizer com esse texto, retomo a descrição inicial):

ele era o mais menos. O que mais via e o que menos era visto. O que mais gostava e o de quem menos gostavam. O mais enigmático e o menos questionado. A vida é mesmo o ofício da invisibilidade, mas não. Não porque nem sempre, diria um futuro amigo meu. O sempre da vida é viver, e do nunca eu não posso dizer tanto, a despeito de habitar sua terra. O que pesa, e pesa mesmo, é o que ainda não foi imaginado. Imaginar, eis não só um verbo. Voltar, eis não apenas uma resolução. Tudo é o não só: é o que ainda vai ser inventado.

Meu desejo era que os personagens pudessem reencarnar, e que a eles fosse oferecida a tarefa de me reescrever.

Um desejo que abarque toda a humanidade (?), esse não tenho, mas alguém há de ter.


 

é de lágrima
que faço o mar pra navegar
vamo lá!
eu não vi, não, final
sei que o daqui
teimou de vir
tenaz assim
feito passarim
(camelo cantor)

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P.S.: às vezes dá uma preguiiiça de citar umas referências que eu uso ao escrever, mas o fato é que elas existem, desde o título, mas em sua maioria são aleatórias e ínócuas. Que façamos nossos próprios sentidos.
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2 comentários:

Átila Goyaz disse...

Nossa, muito bom!

diri disse...

seu ps foi bem importante para todos nós. que façamos nossos próprios significados - deveríamos empunhar essa bandeira em todos nossos posts.
o ofício da invisibilidade (incrível, noba) pode ser muito cruel... o texto todo parece um roteiro, é, um roteiro. imaginei o primeiro e principal personagem num filme mudo, igual o Buster Keaton!
grande abraço, meu caro. não pare a produção.

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