quarta-feira, 2 de junho de 2010

O enterro do prodígio (republicado)


(texto escrito e publicado em 2008, num momento de quase-fim da faculdade de História, e de muitas incertezas. Ontem me senti meio assim, mas muita coisa do que eu queria ter dito ainda condizia com as palavras por mim escritas dezoito meses atrás. Tentei atualizar os problemas, mas não consegui escrever nada que fosse ao menos razoável. Fiquem, então, com a essência que as idéias abaixo transmitem. As crises vêm hoje com menor força e gravidade: vêm em intensidade tão menor que nem me fazem vomitar palavras como antes. Hoje peno um bocado para escrever três ou quatro parágrafos que me agradem. Quem me lê há algum tempo deve notar essa "má fase", e talvez aprove essa republicação com um ar de "o Noubar não escreve mais como antigamente"...rs.  Estou meio cansado de meus próprios complexos. Mas gosto dessa frase: "o oxigênio sofre suas mutações etárias, mas a necessidade de respirar persiste". Leiam, releiam, ou ignorem. Os comentários da época - primeira publicação - podem ser lidos nesse link: 
http://noubarjunior.blogspot.com/2008/12/no-bem-um-fracasso.html
E, curiosamente, o garoto que eu cito lá nas explicações finais era o Mateus Sousa  - diretor -, e o tal filme era o "Apenas o Fim", objeto de um texto que eu viria a escrever cerca de meio ano depois.)


"Não é bem um fracasso. É a relutante constatação de que não dá mais. Não há mais tempo pra tornar-se notável ainda jovem. O garoto prodígio morre sem ter nascido: fora sonhado e vivera sob a suposta incompreensão do mundo, perdido num espaço onde o irreal potencializa talentos inalcançaveis. É preciso renovar os planos de um futuro. Encontrar novos pretextos para pensá-lo promissor. À medida que a precocidade vai sumindo, há de se transferir a esperança aos feitos adultos. Uma boa experiência profissional poderia substituir o sentimento de realização inviabilizado pela adolescência comum. Mais tarde virão herdeiros para novamente justificar a impregnação da noção de vitória. O que não pude ser, meu filho será. Virá ao mundo como vítima da cobrança de seu próprio pai. Sob a máscara sincera de uma boa educação, será moldado desde criança. Falará inglês pra que não corra o risco de não compreender muita coisa boa que há por aí. Estudará música antes de pensar em fazer barulho com um violão. Tudo emoldurado pela idéia de "prepará-lo melhor para o mundo": pra sua crueldade travestida pelo tom sadio que a palavra "competição" imprime à essa bagunça humana. Uma tolice tremenda, mas que de algum modo nos acompanha: conquistar prestígio. Ser melhor que esse ou aquele... nisso ou naquilo. Pra minha tristeza, careço de impulsos. O oxigênio sofre suas mutações etárias, mas a necessidade de respirar persiste.

Quão natural seria colher da vida apenas seus prazeres, sem pensar em legados! Mas a vocês não parece uma relação parasita demais? Tiramos dos artistas nossos maiores deleites. Muitos não viveriam sem música, sem cinema, sem literatura. A obra dos outros nos mantém. E o que fazemos? Trabalhamos vendendo aparelhos que reproduzam música alheia; em locadoras promovendo filmes "imperdíveis"; em feiras do livro... vendendo livros. Será que o "dom" realmente é restrito a uma pequena parcela dos seres humanos? Você é daqueles que acreditam que alguém nasceu com o talento pra criar coisas belas e outro alguém possui a inclinação congênita para catalogar peças de um acervo político? Há PESSOAS e pessoas? talvez sim. O transcorrer do tempo me tem feito desistir da busca de um fim em mim mesmo. Uma resignação quase que imposta. Quando nos deparamos com o "curriculum" daqueles que admiramos, vemos quanto foi precoce a constatação de seus dotes. Não é mais possível ser um grande jogador de futebol; não se pode mais compor algo como "Sabiá"* aos 21 anos; nem escrever Queda que as mulheres têm para os tolos** também aos 21. É a famosa crise dos 21. Chegar aos 21 e não ter feito nada disso! ah! "Você ainda é novo...".

Eu sou adepto do fracasso. Da consciência dos dias passados, que é mais forte do que a esperança pelos que hão de vir. Uma abordagem cética? Hoje, sim. Hoje eu me rendo à mediocridade sem considerá-la a pior das coisas. Digestão incômoda. Escrevo pra legitimar a desistência em palavras. E, na verdade, isso é meio pedante. Dá a impressão de que fico sempre me auto-decapitando para suscitar nos outros uma reação de resgate de minha auto-estima. Se publico, oras, é porque vejo sim alguma importância. No entanto, faço do texto uma total expressão do que considero ser minha existência mediana. Entende? É um lance contraditório: eu mesmo me culpo. Mas não é depressivo, como a capa pode sugerir. É uma tristeza de caráter: enraizada, até normal.

Declaro minha impotência frente aos desafios todos. Chego num momento em que minhas forças perdem muito de seu altruísmo. Migram pro lado de cá. Se não há nada muito complexo a oferecer ao mundo, que me seja facultado o direito do desfrute "egoísta". Que sejam abolidas as noções de trivialidade, banalidade, superficialidade: tudo é lícito e bem-vindo na festa da vida. Foi-se o mocinho. (pensou em "veio o vilão"? essa era a isca. Pra mais nada serviu o "foi-se o mocinho"...rs) Todas essas comparações o fizeram perecer.

BREQUE. Esse último parágrafo foi uma piadinha de mau gosto. Uma brincadeirinha. Uma vã tentativa de prolongar um assunto que se esgotou. Essa baboseira de "impotência" e tudo o mais são falsos. Embora eu realmente ache que meus tempos de prodígio se foram; a despeito de eu achar também que nunca terei sucesso em minhas empreitadas artísticas, ainda há a chance da rosa nascer no asfalto. Existe a motivação de escrever no blog (e isso é mais estranho do que qualquer outra coisa, pois amanhã sempre odeio o que escrevo hoje, mas depois de amanhã volto a escrever); a busca incessante de uma composição (que há de sair!): aquele quezinho de fôlego que equilibra e torna melhor o ato de viver. Têm razão aqueles que não esperam de mim nada de "especial"; nada além do comum. Que fique claro, no entanto, que isso não abafará meu desejo de surpreendê-los.

Sentem-se."

10/12/2008


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*música que Chico compôs com Tom aos 21 anos.
**obra de machado de assis escrita também aos 21 (pra completar a dupla e gerar sua inquietação: "ah, ele quer mostrar que conhece chico buarque e machado de assis...se acha cult")

Sugestão de tema: Sr. Molina, após ver uma matéria que falava sobre um garoto de 20 anos que dirigiu (ou escreveu) um filme super bacana. Isso foi trágico para o gustavo, já que ele já beira os 23 e "nada fez". "Um bom tema pra vc escrever no seu blog".

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