segunda-feira, 31 de maio de 2010

Last Night

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Não fora por hábito nem por cálculo, tampouco fora por acaso.

(Efêmero acesso de anonimato; inédita conspiração musical: agrado provicencial de um (reincidente) "lassst niiiighttttttt"; e meu recente flerte com o dançar. Tudo somado: dois)

Disse-me:

Você melhorou minha noite.

Disse-lhe:

Eu só preciso saber o seu nome.

Disseram-me, no pós-relato:

A frase dela foi melhor.

Concordei, de sorriso e lembrança presentes.

E sei que o gosto de me apaixonar é mais indução do que realidade. É antes vontade do que motivo.

É, em pensamentos garrafais, o mínimo que eu posso me oferecer.

Sei o nome da rosa, mas não encontrei o seu jardim (desconfio estar disperso entre as alamedas dos meus mais caros - e breves - instantes de carinho).

Do lado de lá, especulam sanidades e relevam, de cenhos franzidos, os acentos que julgam indevidos.  

(há tempo de menos pra tanto)


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30/05/2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Hospital da Gente

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
aaaaaa

Nos dias 27, 28, 29 e 30 de maio acontecerão, na Caixa Cultural (Sé), as quatro últimas apresentações (gratuitas!) da peça "Hospital da Gente", montada pelo Grupo Clariô de Teatro a partir de textos (contos) do escritor Marcelino Freire. Se não tiver saco pra ler o texto abaixo, ótimo, mas vá ver a peça. Foi uma das manifestações artísticas que mais me emocionaram nesses tempos. Vá ver.






(Fotografada assim, sua tristeza se assemelha a um pedaço de arte)


Sua vontade transcende a busca pela paz. Sua vontade é assassinar não a paz, mas sim as roupas que fazem da paz essa madame enfeitada que desfila nas ruas centrais da cidade a distribuir bolas e bonecas de plástico. Sua vontade é comer chocolate quando estiver frio, mas não há bolsa-chocolate. Quem sou eu pra falar de suas vontades/verdades, se nem sonhos sei fazer? O mundo é menor do que o frio. O mundo é muito longe para a fome. O mundo, inteiro que é, não merece tanta atenção. Dona Preta é imune às queimaduras, venham de onde vierem: Dona Preta não se permite morrer cinza. Eu precisaria de mais umas duas horas para entrar de verdade naquele universo, e parece mesmo que meu relógio se adiantou o suficiente pra que as tais duas horas chegassem num minuto. Tive medo da polícia. Tive medo de que alguma das atrizes desafinasse nalguma das belas músicas, cantadas sempre à cappela. A polícia não subiu o morro (não desceu ao teatro) e as moças, altivas, zombaram de minha desconfiada percepção musical: passearam entre as notas como se as notas fossem seu quintal. Quase-choro. Medo do fogo: favela evaporada. Medo da chuva: morro escoado. Pensamentos que não conseguiam nem fugir pra visitar os amores breves de platéia. Vez ou outra conseguiam, já que a simples menção já os denuncia, mas eles desimportam nesse instante. Uma imensa falta de vazio. Tudo envolto pelo desânimo dos discursos de que dias melhores virão. (lá) A história é contada pela boca, contrariando qualquer tentativa de papel. A assistente social aconselha métodos contracepcionais, e doa um sorriso às crianças que esbanjam a curiosidade de quem ainda não se acostumou a receber visitas. Falo do que eu pouco conheço. Fotografo a favela com teclas de um computador: será arte? Será culpa? Será motivo pra um começo de madrugada existir?

Agora vejo/ouço, ainda claramente (?), cada fragmento de texto, cada expressão, cada cantinho de cenário, e cada música que cantamos antes de reverter nossa atenção ao mundo sugerido pelas palavras (vividas/encenadas/cantadas) de Marcelino Freire. A favela me é aquilo: é compaixão limitada pelo constrangimento; é indignação anestesiada pela fama; 

é a identidade nacional
que não se perde por não haver segunda via.

Lá as recordações não figuram em célebres albúns de fotografias:

(suas lembranças são pedaços de pano estampados de sangue)


"Cadeiras elétricas da baiana
Sentença que o turista cheire
E os sem amor os sem teto
Os sem paixão sem alqueire
No peito dos sem peito uma seta
E a cigana analfabeta
Lendo a mão de Paulo Freire

A contenteza do triste
Tristezura do contente
Vozes de faca cortando
Como o riso da serpente
São sons de sins, não contudo
Pé quebrado verso mudo
Grito no hospital da gente"
       (Chico Cesar)

domingo, 16 de maio de 2010

Nós, a noite, e o tal do eu sozinho

escrevo ao som
(despropositado mas momentaneamente/sempre fascinante)
de "A day in the life"



Pessoas.
Mais pessoas.
O dobro de pessoas.

Rostos totalmente desconhecidos, rostos totalmente queridos, e rostos totalmente gastos: os que conhecemos "de vista". Insetos gigantes, palco do eu sozinho (a simples referência já me valeu a pena), espaços disputadíssimos, e a ligeira impressão de que há algo de errado com a cidade. De encontro, outra ligeira impressão: a de que há algo de muito certo com a cidade.

As contradições!

Tudo resumido numa tirolesa que, ao invés de descer, subia. Tudo resumido na deliciosa bagunça rítmica dos hermetismos pascoais. Tudo resumido em minha dupla identidade universitária: amigos da faculdade de História me tornavam caçula; amigos da faculdade de música me tornavam velho; amigos outros me tornavam outro. Tudo resumido nas palmas que a platéia dedicava aos músicos em cada intervalo entre um movimento e outro do Carmina Burana (pra muitos isso significa um atentado às convenções dogmatico-musicais): o público domado de um concerto tradicional deu espaço ao público "popular", que aplaude ou vaia quando lhe apraz aplaudir ou vaiar; que não suporta as entradas e saídas do maestro ao final da apresentação. Contagiado pela multidão que alertara a si mesma que a música é a música - dentro ou fora de uma luxuosa sala de concerto -, o maestro regeu um bis, e o "Ó Fortuunaaaaaaa" pôde ser outra vez entoado por um trio de amigos que gozavam o fato de serem três dos poucos que conheciam a letra da obra.

As contradições!

Eu pensava: "oh, que lindo mundo de pessoas andando por esse centro iluminado e receptivo!"
E logo repensava: "ah, que sujo mundo de pessoas pisando nesse centro maltratado e hostil!"

Indivíduos avulsos compunham a cena. Figuravam imersos em sua solidão certamente mais contemplativa, mais cheia de amores breves, mais de olhar atravessado ao me ouvir passar cantando (quase naturalmente). Grupos e mais grupos de amigos aumentavam e diminuiam, protagonizando a tônica da noite: braços levantados (às vezes pulantes), celular no ouvido, e as variações do "me viu?" (onde vc tá? me achou?, tá me vendo?, tô pulando, tá vendo? à direita do palco... perto da árvore. ok, na catraca do metrô.)

Essa nossa imensa vontade de encontrar alguém.
(Você esteve por lá? Não te vi. Se procurei?)
E essa chance de surpresa que vem sempre com um gostinho de bem-vinda.




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Texto motivado pela "Virada cultural".

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Eu, arei-a-mar

Eu, a insconstância e a indefinição da areia, a imensidão tão perdida do mar, o amor no meio de tudo, feito laço, feito sede de suficiência. Eu, arei-a-mar. Eu encenando minha dupla vida, cheia de campinas e de são paulo, cheia de despedidas, cheia de telefonemas protocolares, cheia de palavras e de sons. Mais que tudo isso, cheia de vontade de sair e cheia de vontade de voltar. É sair com os amigos e ligar pros pais irem buscar no fim da noite. É fingir independência só pra pedir colo no final. Os lugares que são e não são meus. Eu, areia, amor, mar.

Segue abaixo o video com o primeiro arranjo (esboço de) da música. Peço, sempre, que acompanhem a letra. Como poderão ver, uma amiga minha fez a imensa gentileza de cantar comigo, melhorando bastante a idéia inicial e dando sentido aos dois "eus" que constituem a letra. Valeu, Lea! 


Eu, arei-a-mar


Lá vai meu filho
buscar seu lugar  (tchau, mãe)
saiu, levou
palavras pro caderno, música pro violão

De noite o filho
vai telefonar (oi, mãe)
tá frio? comeu?
pergunto se há saudade, não diz que sim nem não


Cadê meu trilho?
cadê meu pai?
oh, mãe (saiu, sou eu)
não viu minhas palavras, nunca ouviu meu violão

Tanto caminho
nenhum lugar é meu
cheguei (chegou), já fui (já foi)
eu fico, eu vou embora, sem por os pés no chão


Eu na rua
vem me buscar
Eu, arei-a-mar

Eu na rua
vem me buscar
Eu, arei-a-mar



quinta-feira, 6 de maio de 2010

Amoras

ass

(Nota prévia: texto de um grande amigo que, sem muito acesso ao mundo virtual, me honrou ao pedir esse espaço como meio de publicação de suas palavras.)


"a luz da tarde filtrada pelas nuvens coloria de dourado a cintura à mostra daquele corpo feminino

a blusinha de listras brancas em faixas vinho, de golinha simples e clara, esticava enquanto minha namorada apanhava amoras

nossas camisetas serviam de cestos para as frutinhas que caíam ao som de conversas que continuam a se repetir embaixo daquelas árvores enfileiradas

ela sugerira fazer uma geleia de amoras, por isso as colhíamos, indo de pé em pé, ao longo da calçada da faculdade, os carros passando anônimos ao lado

um pouco antes, pedira para ela soprar um dente de leão, para que eu fotografasse quadro a quadro a desfragmentação da plantinha

segurou o caule e fechou os lábios em posição de beijo; soprou de olhos fechados e uma abundante nuvem de partículas claras veio em minha direção

não sei se foi a luz, ou o perfume doce que exalava da nunca escondida por feixes de cabelos escuros, ou mesmo a tarde que se demorava como um suspiro, mas algo ali enganou minha malícia e o eterno pareceu possível "

João Manoel Romão, maio de 2010

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