quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Se o telefone não tocar, sou eu

_______
______
Certa vez vi essa frase em um nick de msn. Identifiquei-me de pronto. Busquei a autoria, mas não encontrei. Que seja: o certo é que o autor, nalgum momento, pensou em algo que eu pensaria. Isso é o gostar (ou, como é óbvio, é a essência da identificação). "Se o telefone não tocar, sou eu" me parece a tradução, em atitude literária, da (minha) falta de atitude. É buscar na ausência aquilo que nos constitui. É olhar melhor para uma característica, e torná-la mérito. Ponto de vista: palavra.

O que me interessa na frase, no entanto, é o tanto que ela repercute: é o restante das coisas que ela representa. Além de ser o cara que não irá te fazer uma ligação, também sou aquele que não irá mandar a mensagem, que nao mandará o email, e que não falará contigo mesmo suspeitando que daria uma boa conversa. Isso não quer dizer que não haja vontade. Há mais que isso: há hesitação. E hesitar é introduzir o desistir. Medo de inconveniência. Despeito, complexo, e uma resignada vontade de deixar pra depois. 

Perguntam-me quantas pessoas deixei de conhecer devido à minha timidez indevida. Acho que talvez me seja necessário deixar de conhecer muitas pessoas para que eu conheca melhor as poucas que me bastam, ou pra não me desconhecer por completo. Se não telefono e não escrevo, é previsível que meus principais amigos também nao telefonem, e é por aí mesmo. E como se dá a relação? É desse jeito: todos tentando provar pra si mesmo que a solidão não é tão ruim. Acho de verdade que não é. Todos nós, esperando algo. O silêncio diz muito. Atrai-nos.

O que me alegra, então, é o valor que ganham as manifestações de carinho em que estou envolvido. Não digo às pessoas que as amo, não distribuo abraços artificialmente calorosos, e não coleciono melhores amigos. Por tudo isso, cada pedacinho de afeto é a mim um grande pedaço de alegria. Não é fresta aberta pela carência: é sinceridade. Minha avó,  ídolo maior, nunca disse que me ama. Nunca precisou. Meu grande amigo não gosta de msn nem de telefone. Anda se acostumando. A maioria de minhas palavras não suportam serem escritas. Falam sozinhas e silenciosas. Mortas-vivas.

Os sentimentos são mais autênticos enquanto não são manifestados. Têm a pureza instantânea do impensado, do imponderado, do indizível.

Se as noites não fossem tantas, meus dias seriam finais de semana. Seriam melhores. Esperados. No fundo, sei que eu e todos nós só precisamos merecer um pouco mais de carinho.

E chega de abraços gratuitos. A paz mundial custa caro demais.

Não começa na avenida paulista: dispensa camisetas brancas e discursos esverdeados.
...
Àqueles que não ouviram o telefone tocar, saibam que este é meu jeito de dizer "Oi..., tudo bem?"

___________________________________________

Texto influenciado pela leitura de "Esperando Godot", de Samuel Beckett. Trecho citável:

"As lágrimas do mundo têm uma constância inabalável. Para cada um que pára de chorar, em algum lugar outro começa. O mesmo vale para o riso. Portanto não falemos mal de nossa geração. Ela não é mais infeliz que as anteriores. Não falemos bem, tampouco. Não falemos nada sobre isso."

____________________________________________



Seguidores

 
TOPO
©2007 Elke di Barros Por Templates e Acessorios