quinta-feira, 14 de outubro de 2010

"Woodstock brasileiro": impressões distorcidas

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Sustentabilidade é, dentre as polissílabas, a palavra mais citada atualmente na língua portuguesa. Meio Ambiente, por sua vez, lidera o ranking das expressões da moda. Dirão: sim, e isso é ruim? A princípio, não. Numa análise imediata acaba sendo bom constatar que o mundo se voltou para questões tão inadiáveis e tão necessárias à sua sobrevivência. O que me incomoda, e bastante, é como os mesmos setores que agiram de um modo sempre nocivo a esses princípios, hoje se apropriam de tais bandeiras para continuar multiplicando dinheiro. Pegam carona em preocupações construídas globalmente e a elas adequam seu discurso, vendendo a imagem do bem, do heróico (daqueles que se dispõem a salvar o mundo).

Como não possuo uma veia tão farta para o protesto, comento apenas o que vi de perto (mas com a distância que me apraz) no SWU, nesse final de semana.

De cara, a idéia do festival fora uma grande sacada de marketing: ainda no início do ano, as notícias acerca de um Woodstock brasileiro começaram a surgir por aí. Bob Dylan era a grande atração prometida. Desde então as especulações em volta de tudo o que cercava o tal movimento ganharam certa importância nas temáticas jovens de boa parte do país. Com o vulto de um novo Woodstock consolidado, mas com a vinda de Bob descartada, outro monumento foi erguido para promover o evento: a Sustentabilidade. Se ainda havia muita gente em dúvida quanto à validade da iniciativa, uma imensa massa foi seduzida pela tendência consciente/alternativa que o festival escolheu. E eu, ser contraditório por essência, me vi naquele circo da contradição.

Vi-me em uma fazenda interminável (porque fazenda), salpicada por milhares de pessoas com seus milhares de objetivos e histórias, mas unidos por coincidências de gostos e por alguma parcela de manipulação publicitária (não me excluo). O primeiro choque de realidade veio quando minha namorada disse: nossa, nem me sinto tão estranha diante dessas pessoas. E era bem isso: ali todo mundo que soa alternativo nos outros dias do ano, passava a ser o comum. O estranho é o normal. Quando vi aquele mar de camisas listradas/xadrez sob aquele selva de barbas por fazer, vi que meu senso estético não era tão meu assim.

O cenário não deixava por menos, e exacerbava a contradição inerente a tudo aquilo: eram esculturas sustentáveis (labirintos e navios feitos com lixo reciclável) tampando um caminhão de diesel que alimentava as aparelhagens estruturais do show. Eram centenas de metros de grades e mais grades sustentando a diferença de quem pode pagar pela pista premium ou pela pista comum. Eram banheiros exclusivos aos da premium, além do privilégio de não ser esmagado. Eram postos de alimentação precários que, pra não deixar as incoerências de fora, cobravam seis reais por um mini-pastel horroroso, ou quatro reais por 300ml de água (água!). Eram propagandas ininterruptas de empresas multinacionais que têm em sua história tudo o que é necessário para afastá-las das preocupações com a humanidade e aproximá-las dos anseios de endinheiramento (Coca-Cola e Nestlé, por exemplo.)

Ainda haveria assunto pra falar mal dos banheiros, da (des)organização da saída e, chutando o balde, até do frio (pô, organização, que frio era aquele!), mas isso me torraria o saco e impediria que eu criticasse também a imbecilidade de nós, os fãs. Refiro-me ao bando de babacas que se assemelham a gados sendo guiados por um número "x" de músicos. Refiro-me especialmente à apresentação do Infectious Grooves (os caras são indiscutivelmente ótimos músicos), onde bate-cabeças rolaram sem parar, e onde jogos de interação banda-platéia se aproximavam do grotesco. Em um certo momento o vocalista gritava pow, e o bando respondia pow também. Já vi coisas ruins, mas essa me soava brincadeira. Eu, ali, me defendendo de cotoveladas pra aguardar uma banda que traz consigo fãs estereotipados (faço tão parte desse estereótipo que chegaram a me dizer, no show, que eu me parecia com o vocalista) ao extremo, pensava em como pensa um produtor desse tipo de evento, que é capaz de reunir tanta gente tão parecida e ao mesmo tempo tão diversa. Dali a pouco eu é que seria um estorvo aos groovados, pois cantaria melodias chorosas e ofensivas aos seus ouvidos sedentos de peso.

O fato é que não houve Woodstock nenhum, mas sim um festival como outro qualquer, que teve em seus organizadores a habilidade mercadológica de sacar que há um público bastante disposto a se mostrar como alternativo/diferente/rebelde/consciente, e que esse público paga tanto (o ingresso mais barato, com as taxas todas, custava 120 reais a meia) ou mais do que qualquer público para estar "perto" dos artistas que lhe agrada. Mais ainda: esse público distribui seu dinheiro e ainda sai achando que está contribuindo para a preservação do Meio Ambiente e para a salvação do mundo. Vá lá, boa parte dos shows foi bem legal, e todos começaram nos horários previstos, mas isso não deveria ser citado como ponto positivo.

Algo muito grande para ser sincero; muito longo para ser suficiente; muito promovido para ser espontâneo.

Que da próxima vez...

ofereçam músicas não só aos integrantes do MST (como fez a banda Rage...), mas também aos índios da tribo mais remota possível, aos homossexuais, aos negros oprimidos, aos oriundos de escola pública, aos touros da espanha, aos mineiros chilenos, às mulheres do Irã, e a tudo o que é bonitinho e alternativinho apoiar. 

Nós, ingênuos quando não idiotas, faremos coro e compraremos camisetas.





4 comentários:

pense de novo disse...

Bixo (com x mesmo), não sei qual festival você foi. Eu fiquei quentinho, comendo minha pizza quatro queijos e tomando minha Schweppes Citrus na moral...Falaram que o show do Rage só tinha homem (parecia comício no Irã)onde eu assisti os gêneros estavam bem divididos. O banheiro que eu fui estava limpinho, toalhas novas e tudo. Te dou uma dica: Sofá! E quando você não pagar mais meia ai que ele vai se tornar mais atrativo. Mas o Queens foi espetacular junto com o Mars Volta e o Pixies. Abraço!

Noubar Sarkissian Junior disse...

Pô, Thiagão, logo vc, tão frequentador de festivais, ficou no sofá? rs
Bom, mas com pizza de quatro queijos e toalhas novas, é realmente possível que eu "pense de novo" antes de ir a uma outra iniciativa dessas!
Abraço!

Unknown disse...

Seguinte, você conseguiu expressar tudo o que eu queria! Obrigada, então!

Michelli disse...

Sinceramente, eu queria muito ter ido para ver as bandas que sabe-se lá quando poderei ver ao vivo e a cores...mas, ponderando tudo isso que vc relatou, as vezes não vale a pena mesmo...até nos momentos que seriam de lazer e prazer, somos explorados. Somos explorados em nossas carências, talvez por isso aceitamos essa exploração. Dai em pergunto, e o Paul (interrogação). Vale pena ficar dois dias na fila ou sentado em frente ao computador pra comprar um ingresso caríssimo...talvez até valha, mas, não sei se tenho mais pique pra isso não...rs
Beijão, Nubita!
Saudades!

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