quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

feito padaria


Meus melhores momentos são os instáveis e os calados. Meus maiores anseios são os inábeis e os sensíveis. Sou a fragilidade de um texto escrito por encomenda. O menos. Embora feliz, assustado. Novo e enjoado de meu repertório de adjetivos. Uma das coisas que mais me incomodam é a falta de palavras. Querer escrever algo e não conseguir. Corrupção vocabular.

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Em meados dos anos oitenta, Tom Jobim e Chico Buarque estavam incumbidos de compor a canção-tema da série global "Anos Dourados". Perto do prazo estipulado, Tom, responsável pela música, entregou o material composto ao parceiro Chico, responsável pela letra. Como o letrista não conseguiu terminar o trabalho antes da série ir ao ar, a música acabou figurando na telinha apenas com a parte instrumental. Inquirido sobre o porquê de não ter conseguido obedecer ao prazo acordado, Chico respondeu:

"vocês pensam que eu funciono como uma padaria? Que pedir meia dúzia de canções é como pedir meia dúzia de pães? No mais, essa Rede Globo é muito apressadinha. Eles não podem esperar nem seis meses?"

As questões ligadas aos estímulos que levam à criação artística têm me inquietado bastante. Por serem diversas e várias, são indefiníveis. O exemplo citado é quase uma exceção na carreira de Chico, já que uma parte considerável (eu até arriscaria dizer que "a maioria") de suas composições é feita por encomenda. O que o leva a criar, então, é uma mistura de pré-disposição e demanda. Outras pessoas dizem que fazem arte por uma necessidade vital. Dizem que não se importam com a recepção que sua obra irá ter: a arte é um fim, não um meio. Tanta liberdade criativa gera suspeita. E sugere um conforto material prévio.

A mim a arte evoca tempos. Recupera, traduz, projeta. Comigo ela duela, se faz de arisca, se esconde, se instala distante. Procuro-a, noutras vezes a esqueço. Desisto, revejo, respiro. Escrever ou compor não me é uma questão de vida ou morte, e isso talvez me afaste do pedestal que sustenta o termo "artista". Criar, pra mim, é uma alternativa, é um caminho. Quem sabe é o modo que escolhi para me expressar. Ou pra me esquivar.

Criar é deixar algum lugar. É a fotografia editada de minha mente. É deixar pra trás, não estar mais lá. É o registro eterno e o início do esquecimento. Mostrar um texto ou uma canção a alguém é libertá-los de minhas pobrezas e limites, e é o pré-requisito para minha tranquilidade noturna.

Não funciono feito padaria; tampouco funciono feito receptáculo de inspirações incontroláveis e latentes. Minhas canções normalmente surgem para que eu não abandone uma frase melódico-textual que reputei boa. Ao redor de tais frases é que o resto vive. A elas está submetido e subjulgado. Quando penso em textos, também não é raro eu escrever para compor um cenário necessário ao contorno de poucas palavras. Tudo jogo, chorado.

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Tenho feito quase nada. Bora acender o forno. É hora de restabelecer minha relação com a criação. Já que não me dou bem com 140 caracteres, e que não tenho mais a paciência necessária às releituras de mim mesmo, voltarei mais vezes a esse blog, com coisas novas, quentinhas, mas não urgentes feito pão.

3 comentários:

Michelli disse...

Que bom ler você de novo por aqui!

Mas, Nubita, fazer pão é uma arte... tá certo que comparar à demanda de uma padaria não é a mesma coisa de um pão caseiro, que se espera comer a tarde, depois de uma manhã toda vendo a avó compondo aquele poético pedaço de alegria...

Espero ver coisas novas por aqui, quentinhas, como pão caseiro de vó! rs
Beijos e saudades!
Mi

Noubar Sarkissian Junior disse...

Sim, sim, Mi!
O pão, como tudo que compõe a culinária, é arte sim! Minha única intenção, ao comparar, foi usar a frase do Chico sobre a demanda de produção...rs

Agora, isso de "compondo aquele poético pedaço de alegria" foi lindo, hein! Vou pedir pra minha vó fazer pão! hehe

Saudades também
beijos

Camila de Sá disse...

Oba!
No aguardo...

e esse texto já veio repleto de pérolas singelas!

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